AMIGOS DO PROFESSOR ZÉ WILSON

sexta-feira, 19 de junho de 2009

VERDADE E PODER EM FOUCAULT

Um dos problemas colocados era o estatuto político das ciências e as funções ideológicas que podia veicular. Questões interessantes sobre poder e saber. Questiona-se quais as relações da física teórica e a química orgânica com as estruturas políticas e econômicas da sociedade. Foucault utiliza o saber da psiquiatria, pois seu perfil epistemológico é pouco definido. A própria medicina possui uma estrutura muito mais sólida do que a psiquiatria. Todos consideraram que era um problema politicamente sem importância.
A primeira razão é que o problema dos intelectuais marxistas na França era de se fazer reconhecer pela instituição universitária e pelo establishment. Deviam colocar as mesmas questões que eles, tratar dos mesmos problemas e dos mesmos domínios. Dar às vossas velhas preocupações soluções novas. Fazer a renovação da tradição liberal, universitária aos problemas mais acadêmicos e mais nobres da história das ciências. A medicina e a psiquiatria não estavam a altura das grandes formas do racionalismo clássico.
A Segunda razão é o estalinismo pós-estalinista, que exclui do discurso marxista tudo o que não fosse repetição amedrontada, não permitia a abordagem de caminhos ainda não percorridos. Inumeráveis trocas tinham ocorrido desde Marx sobre o discurso das ciências. Os marxistas pagavam sua fidelidade ao velho positivismo com uma surdez radical com relação a todas as questões de psiquiatria pavloviana. Para certos médicos, a política psiquiátrica, a psiquiatria como a política, não eram coisas honrosas.
Aquilo que ele havia tentado fazer foi recebido com um silêncio muito grande pela esquerda intelectual francesa. Sem a abertura política ele não teria tido coragem para fazer a pesquisa no domínio da penalidade, das prisões e das disciplinas.
Uma terceira razão é que vem através dos intelectuais uma recusa em colocar o problema da reclusão da utilização política da psiquiatria, do enquadrinhamento disciplinar da sociedade. O partido que não ignorava nada, podia lançar palavras de ordem, impedir que se falasse disto ou daquilo, desqualificar os que falavam.
Alguns dizem que Foucault é o filósofo que funda sua teoria da história na descontinuidade. Ele fala, portanto, que, em certas formas de saber empírico como a biologia, a política, a economia, a psiquiatria, a medicina, o ritmo das transformações não obedecia aos esquemas suaves e continuistas de desenvolvimento que normalmente se admite. A medicina, até o século XVIII, tem um certo tipo de discurso cujas lentas transformações romperam com as proposições verdadeiras, com as maneiras de falar e ver, com o conjunto das práticas que serviam de suporte ‘a medicina. É um novo regime no discurso e no saber. Foucault coloca em questão como é possível que se tenha em certos momentos e em certas ordens de saber, mudanças bruscas, precipitações de evolução, que não correspondem a imagem tranquila e continuista. Há uma modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. O mais importante não é se as mudanças são rápidas ou não. Não é mudança de conteúdo, alteração da forma teórica, renovação do paradigma, dos conjuntos sistemáticos. O que está em questão é o que rege os enunciados que se regem entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas por procedimentos científicos. Procura os efeitos de poder entre os enunciados científicos, o seu regime interior de poder, como e porque em certos momentos ele se modifica de forma global.
Faltava o regime discursivo, dos efeitos de poder próprios do jogo enunciativo.
O que poderíamos fazer? Colocar o conceito de descontinuidade no seu lugar? O conceito de acontecimento, daquilo que não entra e não pode entrar na mecânica e no jogo da análise, pelo menos na formam que tomaram no interior do estruturalismo, que talvez tenha sido o esforço mais sistemático para eliminar o conceito de acontecimento. Existem vários tipos de acontecimentos diferentes que não tem o mesmo alcance, a mesma amplitude cronológica, nem a mesma capacidade de produzir efeitos.
O problema é distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis das relações de força, de desenvolvimentos estratégicos e de táticas. A referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade é belicosa e não linguística. Há relação de poder e não relação de sentido. A história não tem sentido, o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. É inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas. Nem a dialética, nem a semiótica dão conta do que é a inteligibilidade intrínseca dos confrontos. A dialética é uma maneira de evitar a realidade aleatória e aberta desta inteligibilidade e a semiologia é a maneira de evitar seu caráter violento, sangrento e mortal, reduzindo-a à forma apaziguada e platônica.
Coloca-se no discurso a questão do poder, por uma incapacidade que estava sem dúvida ligada a situação política. Quem na direita ou na esquerda poderia ter colocado este problema do poder. Pela direita estava colocado somente em termos de constituição, em termos jurídicos, e pelo marxismo, em termos de aparelho de estado. Faltava dizer como ele se exercia concretamente, e em detalhe, com suas especificidades, suas técnicas e suas táticas. O poder no socialismo soviético é chamado de totalitarismo, no capitalismo ocidental é denunciado pelos marxistas como dominação de classe. A mecânica do poder nunca era analisada. O trabalho é feito depois de 1968, a partir da lutas cotidianas, realizadas na base, com aqueles que tinham que se debater nas malhas mais finas de poder.
Quanto ao marxismo e a fenomenologia, as pessoas da geração de Foucault foram alimentadas por duas formas de análise, sendo, uma que remetia ao sujeito constituinte e outra que remetia ao econômico em última instância: a ideologia e ao jogo das superestruturas e das infra-estruturas.
Como os problemas de constituição podiam ser resolvidos no interior da trama histórica, em vez de remetê-la a um sujeito constituinte. É preciso se livrar do sujeito constituinte, do próprio sujeito, para chegar a uma análise que possa dar conta da constituição do sujeito na trama histórica. A genealogia é forma de história, uma constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios do objeto.
A fenomenologia marxista representa dois conceitos que são obstáculos, a ideologia e a repressão. A ideologia é pouco utilizável por três razões. A primeira, ela está sempre em oposição virtual a alguma coisa que seria a verdade. O que um discurso releva de cientificidade e da verdade e o que relevaria de outra coisa. Como se produzem os efeitos de verdade no interior de discursos. Segundo inconveniente é alguma coisa como o sujeito, e terceiro, a ideologia está em oposição secundária a algo, para ela como infra-estrutura ou determinação econômica, material.
A repressão é mais pérfida. É uma espécie de loucura viva, volúvel e ansiosa que a mecânica do poder tinha conseguido reprimir e reduzir ao silêncio. Os efeitos do poder da repressão tem uma concepção jurídica; identifica-se o poder a uma lei que diz não. A força da proibição. Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, não seria obedecido. O poder mantém-se e é aceito porque ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. É uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa. Há um desbloqueio tecnológico da produtividade do poder. Desenvolveram grandes aparelhos de Estado – exército, polícia, administração local – mas instauraram uma nova economia do poder, procedimentos que permitem fazer circular os efeitos de poder de forma ao mesmo tempo contínua, ininterrupta, adaptada e individualizada em todo o corpo social. São técnicas muito mais eficazes e muito menos dispendiosas. São poderes descentralizados ou locais, pequenos.
Mas, como podemos utilizar os trabalhos de Foucault nas lutas cotidianas e qual é o papel do intelectual hoje? O intelectual de esquerda tomou a palavra, seu direito de falar e durante muito tempo foi dono de verdade e de justiça. Todos o ouviam como um representante universal. Ser intelectual era ser a consciência de todos. A posição histórica do proletariado como portador do universal, não refletido pouco consciente de si, o intelectual, pela escolha moral, teórica e política é portador desta universalidade de forma consciente e elaborada. Seria a figura clara e individual de uma universalidade onde o proletário seria a forma obscura e coletiva.
Os intelectuais trabalham não no universal, no exemplar, no justo-e-verdadeito-para-todos, mas em setores determinados, situam suas condições de trabalho, suas condições de vida. Também encontraram problemas que eram específicos, não universais. Se aproximaram deles porque eram lutas reais, materiais e cotidianas e porque encontraram o adversário do proletariado, do campesinato ou das massas. Este é o intelectual específico por oposição ao intelectual universal.
O intelectual era escritor: consciência universal, sujeito livre. A politização se realiza na atividade específica, o limiar da escritura faz o intelectual desaparecer e se produzem ligações transversais de saber para saber, ponte de politização de um para outro. Em seu próprio lugar e por meio de intercâmbios e de articulações, participar de uma politização global dos intelectuais. O professor e a universidade aparecem como permutadores, pontos de cruzamento privilegiados. A crise da universidade não é perda de força, mas multiplicação e reforço de seus efeitos de poder no meio de um conjunto multiforme de intelectuais, onde o escritor se debate pela manutenção de seu privilégio político. A atividade do escritor não era mais o lugar da ação.
É o intelectual específico a partir da Segunda Grande Guerra. Há a articulação entre intelectual universal e específico, porque tinha uma relação direta e localizada com a instituição e o saber científico. O intelectual foi perseguido pelo poder político por causa do saber que detinha e se constituía como um perigo político.
O intelectual universal, tal como funcionou no século XIX e no começo do XX, derivou de fato de uma figura histórica bem particular: o homem da justiça, o homem da lei, que se opõe ao despotismo, a arrogância da riqueza. Grandes lutas políticas se fizeram em torno da lei, do direito, da constituição, do que é justo por razão e por natureza, que pode e deve valer universalmente. O intelectual, no sentido político e não sociológico ou profissional, aquele que faz uso de seu saber, de sua competência, de sua relação com a verdade nas lutas políticas, do jurista: ou em todo caso, do homem que reivindicava a universalidade da lei justa, contra os profissionais do direito. A expressão mais completa no escritor, portador de significações e de valores, com os evolucionistas pós-darwinianos, que começa a aparecer mais nitidamente o cientista-perito. As relações tempestuosas entre o evolucionismo e os socialistas, os efeitos ambíguos do evolucionismo, assinalam o momento importante em que m nome de uma verdade científica local, se faz a intervenção do cientista nas lutas políticas. Zola é o intelectual universal portador da lei e militante da equidade.
A biologia e a física, foram as zonas de formação, do intelectual específico, onde se concentram as funções e os prestígios deste novo intelectual não é mais a do escritor genial, mas do cientista absoluto, não empunha sozinho os valores de todos, mas é o estrategista da vida e da morte. Vivemos o desaparecimento do grande escritor. O intelectual específico encontra obstáculos e se expõe a perigos, se limita a lutas de conjuntura, a reivindicações setoriais, pode se deixar manipular por partidos políticos ou por aparelhos sindicais. Risco de não ser seguido ou de ser somente por grupos muito limitados.

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