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quinta-feira, 11 de junho de 2009

Dualismo e memória em Las Casas - José Alves de Freitas Neto

Quando falamos a respeito da conquista da América logo nos vem à memória a destruição dos povos que aqui já viviam. No trabalho de Las Casas, podemos constatar dois fatores muito importantes: o dualismo e a “análise voltada para uma consciência da derrota e a identidade construída” a partir disso.
Sempre procuramos ver o bem e o mal, o certo e o errado e muitas vezes não fazemos uma análise mais profunda sobre o assunto, pois esse é o desejo de “construir um mundo mais organizado”.
O texto de Las Casas possui uma dimensão redentora, “de solidariedade em relação aos ameríndios”, por nos “associarmos à idéia cristã de sacrifício imposta aos índios, a impossibilidade de manifestação de alteridade”, pois na tradição cristã há relatos como prova de fé, como o caso de Abraão, que iria sacrificar o seu filho em nome de seu deus. “O texto bíblico necessita de uma interpretação a partir de seu conteúdo, sua pretensão à autoridade absoluta leva-o ainda mais longe”.
A pergunta que fica é por que Las Casas perdura ou ainda, por que seu relato é tão conhecido? Talvez, seja a “tentativa de suplantar a realidade e reinterpretá-la, na busca desse universo absoluto”.
Aí entramos numa temática cristã, como o “mito fundador, o paraíso”, os indígenas vistos como “pessoas boas e dóceis, harmonia e paz” e por outro lado, “a brutalidade, a ação inescrupulosa contra os mais fracos, a expulsão do paraíso, a instalação do conflito, o castigo”.
Ainda temos a construção da memória, feita por “elementos trágicos, pela dor incessante, a impotência dos indivíduos diante das instituições e a possibilidade de redenção”, além da forma como cada um de nós se identifica “com os índios criados pelo dominicano”.
Esse trabalho de Las Casas cria “uma crise de consciência no Império Espanhol”, pois as “justificativas para continuar a empreitada colonizadora não se tornam tão populares por não ter a mesma força trágica” do material produzido pelo dominicano.
Os espanhóis, por estarem mais acostumados com os mártires cristãos, vão acreditar que os índios estão sendo massacrados, ao invés de “imagina-los como bárbaros e ameaçadores da cultura hispânica”. Eles preferem ficar com a teoria de que “os índios são doces, mansos, obedientes e criados pelo mesmo Deus, do que se identificarem com o “interesse do Império”.
Com essas duas narrativas “há uma tentativa espanhola de justificar-se, ma não há uma tentativa de compreender a América”. Não havia preocupação sobre o que esse novo mundo representava para eles, mas simplesmente como eles deveriam estender seus domínios sobre esse povo, não havendo, portanto, a tentativa de compreender a América.
A “descrição feita por Las Casas sobre os próprios índios, corresponde a imagem frágil, apática e submissa”, ficando dentro de sua formação cristã, enfatizando o índio como dócil, “para reforçar a glorificação da vítima”, por isso, “foi possível despertar a compaixão, dessa forma retirando dos índios a sua condição de sujeitos históricos”.
“Las Casas questiona o método da conquista”e em seus textos podemos perceber uma certa alteridade, pois ele, bispo, “trata de compreender a importância dos costumes dos costumes e das crenças destes dentro da estrutura de sua própria cultura”, elaborando, talvez, “uma teoria da igualdade de culturas, em estágios distintos e possíveis de culturas”.
“O sucesso de Las Casas é originário de sua sangrenta descrição da conquista, fortes imagens construídas, a idéia de massacre e opressão com os dóceis e pacatos índios”, reforçando uma “visão do índio como papel em branco”, sem história, sem vida, não descrevendo seus valores culturais, não sendo visto. Utiliza uma linguagem religiosa, como “estas gentes eram as mais bem-aventuradas do mundo, só conheceram a Deus, ovelhas mansas e de qualidades sobreditas por seu Fazedor e Criador assim dotadas”. Podemos ver com isso, nas entrelinhas, que os índios pareciam não ter história, e que estavam abertos à doutrinação cristã.
Uma outra possibilidade de análise para a construção da memória é como “poderia ser a da identidade dos derrotados e o imaginário sobre como deveria ser” numa “contraposição entre o real e o sonho”.
“O julgamento a posteriori é fácil de ser feito”, pois, “ouve-se o relato da dor, a guerra foi desleal, as condições da conquista tornam-na vergonhosa”. É como ver o passado como o paraíso perdido.
Deveríamos pensar “se outros tivessem sido os caminhos”, criando a possibilidade de imaginarmos, de construir esse outro caminho”.
Podemos dizer que a obra de Las Casas teve aceitação pelo fato de “inserir-nos no universo dualista e na crônica da dor dos derrotados”. é Verdade que existem críticas, feitos pelos inimigos do dominicano, acerca de erros estatísticos, sobre o número de dizimados, colocando “em dúvida a veracidade da narrativa”.
A “sua participação no processo de colonização”, vai fazer com que ele se envolva muito mais em suas atividades pastorais.
Quando em um debate com o jurista Juan Ginés de Sepúlveda, sendo a “expressão da memória da Corte Espanhola”, debateu-se sobre o índio, mas não com o índio e sua cultura”. O que foi discutido entre ambos na mostra o índio, “mas a visão européia sobre os eventuais limites para suas ações colonizadoras”. Os espanhóis tentam mostrar para eles mesmos o direito que possuíam sobre os povos conquistados, onde ao índio coube “ser objeto da discussão, de citações, mas não lhe deram a chance de ser seu próprio defensor”, representando com isso a anulação do índio como sujeito político.
“Las Casas será ouvido, pois ele fala como membro da Igreja, sua atuação parece ter sido muito mais em função desta sua posição do que a de defensor indígena”. O que podemos entender do texto é que “o debate desqualifica o indígena”, pois foi discutido “sobre a noção de barbárie e d\o emprego ou não da força no exercício colonizador. Sepúlveda defende que “se retire os indígenas de seu estado bárbaro”, pois isto traria vantagens para ambos os lados, “mas os índios deverão obedecer às pessoas mais humanas, mais prudentes e mais excelentes para ser governadas com melhores costumes e instituições”, onde “a recusa do índio pode justificar a guerra”.
Entendemos que Las Casas “previa uma conquista pacífica”, com o “propósito evangelizador. A ele coube “defender a posição dos vencidos”e o “questionamento moral da conquista”.
Às vezes acreditamos que Las Casa tenha sido mais fraco e injustiçado. há um certo dualismo nessa posição, pois “parece não haver espaço para a atuação dos sujeitos comuns na história; ou se é o valente conquistador, enviado pelo poderoso rei¸ ou se é o doce índio, vítima perfeita, que parece se oferecer em sacrifício pelo simples fato de existir”.
Temos aqui uma visão cristã dos fatos, pois “a história se confunde com uma trama literária, onde a expectativa é a de que sempre o bem vença, os justos prevalecerão, o triunfo e a redenção sejam dos que foram perseguidos e injustiçados”. “O imaginário criado poderá ser atingido por todos: ou se é sempre justo, ou o seu contrário. Esse jogo leva à mera identificação de um ou de outro partido”, não havendo “processo reflexivo e questionador”.
Las Casas “identificou e nomeou os lados em disputa na conquista e colonização. Estar contra o que disse Las Casas ou questioná-lo, “pode significar estar ao lado da sangrenta ação hispânica” e “todos que se opuseram aos dominicanos parecem ser facínoras”.
Las Casas “encontrou espaço para construir seu imaginário e conseguiu adeptos, mais por sua capacidade imagética do que por suas incontáveis polêmicas com os membros da Corte”.
Sua obra está alicerçada no cristianismo, tendo a frente “a idéia de um plano divino que incumbe os homens de reconstruir o paraíso, restabelecer a bondade divina”. Para isso precisamos que existam os mártires, “para que o mundo volte a trilhar o plano de Deus”.
Estamos, ainda hoje, “em busca de uma harmonia para os povos que se encontraram e passaram a ter vidas interligadas”. Os indígenas ainda procuram a terra sem males e a “diminuição da população indígena e de seus descendentes soa, por vezes, como uma condenação que paira sobre as instituições e descendentes do colonizador espanhol. Por outro lado, a não implantação do modelo lascasiano o impediu de desgastar-se”.

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