Dar uma definição do que seja a globalização não é uma tarefa fácil, uma vez que envolve uma série de fatores históricos, econômicos, políticos, culturais e sociais. Entretanto é possível explicá-la por meio da observação e interpretação de vários acontecimentos que vem ocorrendo no mundo e de seus impactos nas sociedades humanas.
Pensando historicamente, é possível afirmar que a globalização no mundo ocidental teve origem a partir das grandes navegações européias, dentre elas as portuguesas, espanholas, inglesas e francesas, ocorridas nos séculos XV e XVI, cujo propósito era navegar em alto-mar, afastando-se do litoral europeu, motivados pela política colonial de expansão territorial, busca de metais preciosos, de matéria-prima e de produtos que pudessem ser comercializados, além de novos mercados, o que lhes permitiu chegar às terras americanas, africanas, asiáticas e, posteriormente, da Oceania.
Em vista disso podemos dizer que, com as Grandes Navegações houve a ampliação do horizonte geográfico europeu, ou seja, ocorreu um processo de europeização dos diversos lugares que foram colonizados pelos países europeus. Deu-se, assim, a adoção dos costumes e hábitos de outra terra. Porém, esse processo não ocorreu espontaneamente, mas do contrário, através da imposição da cultura européia e do modo de organizar a economia, tendo como base o nascente capitalismo.
Tudo isso só foi possível, também, graças à formação das monarquias nacionais ou estados nacionais, que com o advento do comércio a partir do século XII começou a enriquecer um grupo de pessoas, os burgueses, principalmente através do comércio. Essa burguesia vai consolidando-se aos poucos e quanto mais enriquece, mais sedenta fica de capital, quebrando o monopólio do feudalismo, surgindo como classe importante e decisiva para a formação dos estados absolutistas. Há nesse momento histórico a formação de uma nova sociedade, que ao estruturar-se precisa de mais espaço para a competição que começa a surgir entre esses grupos. Quem tem mais poder econômico provavelmente teria mais poder de barganha.
Com essa sede de ganhar mais em menos tempo, alargam-se os horizontes europeus e a busca de mercados, de matéria-prima, de metais preciosos, faz com que todos estejam imbuídos de fazer a transformação, mesmo considerando que outros aspectos foram importantes, principalmente através do fechamento do Mediterrâneo.
Globalização econômica, o aspecto mais duro e perverso do capitalismo
Pensando o contexto da globalização podemos afirmar que através desse sistema de desenvolvimento capitalista houve um processo de exclusão social e cultural dos indivíduos em escala mundial e astronômica, onde várias teorias buscaram explicar esse fenômeno econômico, o qual foi capaz de modificar radicalmente o cotidiano dos indivíduos, “através da conquista do mercado mundial e da exploração da força de trabalho, os grupos hegemônicos vão impondo seu domínio”[1] e se firmando cada vez mais como os donos do mundo estabelecendo a (des)ordem mundial capitalista conveniente a eles.
Como se não bastasse o domínio europeu durante séculos, vivemos hoje a americanização do mundo, processo iniciado logo após o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e intensificando-se após a Segunda Grande Guerra (1939-1945), quando os Estados Unidos despertaram como uma superpotência industrial e financeira, passando a competir no mercado internacional com os países industrializados da Europa.
Conforme Olsson, o termo globalização é muito “recente no vocabulário da economia e da política”[2], até porque foi primeiramente utilizado por escolas de administração de empresas e tornou-se popular graças a imprensa, quando queria referir-se aos termos de economia e finanças.
O autor descreve muito bem a respeito da contextualização dos temos empregados quando queremos falar de política, economia ou finanças mundiais, diferenciando os termos globalização, internacionalização e mundialização. Segundo ele, globalização impede o conceito de nação, já que extrapola o sentido de estado-nação e está voltado praticamente para o aspecto econômico. Internacionalização seria exatamente o oposto, ou seja, o estado-nação se sobrepondo sobre os demais de forma com que todos pudessem participar ativamente no processo não apenas econômico e mundialização seriam os limites estabelecidos, conhecidos e ocupados pelas potências dominadoras do momento, sendo que, “a globalização é o nome genérico que as ideologias dominantes atribuem ao atual processo de mundialização capitalista”[3] e a mundialização seria “a tendência do capital a constituir-se em sistema mundial”[4].
Na verdade a globalização é apenas uma nova etapa da estruturação do capitalismo que cai e levanta-se novamente cada vez mais perverso. Os países periféricos ou coadjuvantes sofrem cada vez mais. Podemos constatar isso com os megablocos econômicos em todas as partes do mundo, principalmente com o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), criado em 1994, entre Estados Unidos, Canadá e México, que empobreceu assustadoramente, “pois em 1994 apenas 49% (como se isso fosse pouco) dos mexicanos viviam na pobreza; hoje são 75%”[5]. Segundo Tânia Steren dos santos, a globalização trouxe consigo o acentuamento da exclusão social, cultural e “racial”, onde aqueles que não estão dispostos a assimilar a essa avalanche de transformações são os culpados pela exclusão a que são submetidos. Pelo menos é o que dizem “os argumentos funcionalistas para explicar a exclusão social”[6].
O pior de tudo na globalização mundial, é que de forma perversa, se pensa somente no aspecto econômico, desprezando por completo as características culturais, sociais, políticas, ideológicas, religiosas. Esquece-se por completo que o mundo é repleto de seres humanos dotados de sentimentos. Para o capital a única coisa importante é o mercado e o consumo, destruindo todos os sonhos e perspectivas de maior parte da população mundial.
Podemos afirmar então que após 1945 até nossos dias ocorreu um intenso processo de internacionalização do capital produtivo e financeiro, levando a um intenso acirramento das disputas comerciais entre as multinacionais pelo mercado mundial, levando-as a investir grandes somas de dinheiro em pesquisa científica e tecnológica, já que “a modernização da tecnologia, entre outros fatores, tem gerado profundas transformações nos processos produtivos e nas estratégias de reprodução do capitalismo”[7].
O uso da ciência e da tecnologia avançada, a posse de grandes recursos financeiros e o domínio de técnicas de comercialização e administração empresarial dá às multinacionais um poder político, econômico e financeiro muito grande no mundo.
Sendo assim, “a ciência e a tecnologia são a mola propulsora fundamental das inovações nos sistemas produtivos, o que propicia um crescente acúmulo de mercadorias e riquezas”[8].
Portanto, o papel das multinacionais nesse processo, além de aquecer a economia, também são responsáveis pelo financiamento de campanhas eleitorais, sendo responsáveis pela elegibilidade de presidentes de países desenvolvidos ou de tecnologia avançada. Entretanto, as multinacionais recebem vários tipos de benefícios que as protegem, como os incentivos fiscais, por exemplo. Hoje sabemos que acima de muitos governantes há o poder das grandes empresas monopolitas. E isso não ocorre somente em países subdesenvolvidos, mas praticamente em todo mundo, pois quando não são as multinacionais, são grupos de endinheirados locais que elegem os seus governantes. Percebemos então, que há de certa maneira uma manipulação política para garantir interesses comerciais e econômicos intactos.
O que é evidente, é que apesar de “imensas riquezas que são geradas, contraditoriamente, expande-se a pobreza da maior parte da população mundial”[9].
Esse processo de empobrecimento da população mundial sofreu um grande aceleramento na década de 1990, já que houve o desaparecimento do sistema que historicamente se opunha e se confrontava com o capitalismo na disputa por áreas de influência política e econômica, ou seja, somente com o fim do socialismo real, é que o capitalismo se mundializou, tornou-se o sistema hegemônico de organização sócio-econômico no mundo ampliando consideravelmente os negócios para as multinacionais.
Contudo, "A desigualdade social e a existência de enormes contingentes populacionais que estão à margem do processo de desenvolvimento multiplicam e aprofundam conflitos sociais e a deteriorização da qualidade de vida da maioria das regiões do planeta. Por conseguinte, o problema da exclusão social torna-se hoje uma questão fundamental, que requer muito mais soluções estruturais do que reformas paliativas". (SANTOS, 2001).
Como podemos observar até agora a globalização foi sofrendo modificações ao longo do tempo, dando origem a uma nova forma de globalização, tão destrutiva quando o seu início, só que na atualidade age de forma mais perversa e excludente.
A desigualdade desencadeada pelo processo de globalização passou a receber maiores atenções somente com o pós-guerra, onde se acentuou a desigualdade entre as nações do mundo, o que segundo Goram Therborn,
Preocupar-se com a desigualdade, em vez de apenas com a pobreza, significa preocupar-se com a maneira como toda a sociedade é estruturada e não apenas com seu pior aspecto. Assim sendo, a preocupação com a desigualdade é mais propícia à auto-organização e mobilização dos próprios desfavorecidos, ao conflito social e à transformação social em grande escala do que a preocupação com a pobreza, pois esta tem uma orientação maior naturalmente filantrópica. (THERBORN, 2001)
Todo esse problema gerado foi porque, "A burguesia internacionalizada dos diversos países estabelece alianças que possibilitam a reprodução da dominação, enquanto os marginalizados do sistema, que existem tanto nos países centrais quanto nos periféricos, enfrentam graves problemas decorrentes da sua crescente exclusão". (SANTOS, 2001)
Diante disso, percebemos que a classe hegemônica, composta principalmente pelo sistema bancário internacional e a burguesia internacionalizada são quem sustentam a dominação “dos meios de produção, no capital fundiário, industrial e financeiro”[10], e continuam impondo sua vontade e interesses em detrimento da grande maioria da população, já que “o modelo hegemônico neoliberal basicamente serve aos interesses da classe dominante globalizada”[11].
Sendo assim, podemos ainda acrescentar a tudo isso a instalação da “globalização da miséria em grande escala”[12], o que leva a instabilidade social, “aliada a problemas de criminalidade e corrupção, conduzindo a uma ameaça real de dificuldade de governabilidade”[13].
Em aspectos mais gerais podemos compreender a globalização e suas conseqüências mediante cinco características principais, como a internacionalização da produção, que é controlada pelas corporações multinacionais; internacionalização das finanças, realizada por bancos e instituições financeiras e empresas espalhadas por todo mundo; a intensificação da economia especulativa (neste momento milhões de dólares virtuais sobrevoam nossas cabeças de um lado para o outro do globo terrestre); alteração na divisão internacional (perdeu a função social) do trabalho ou nova regionalização das empresas e, ainda, uma crescente fragilização dos Estados Nacionais, já que para onde caminha a globalização, o estado atrapalha o andamento da economia.
Essa nova face da globalização está estruturada na formação dos chamados blocos econômicos, os quais vem desenvolvendo as novas fronteiras comerciais, que podem levar ao rompimento das barreiras entre países ou estados, levando a um maior acúmulo de riqueza e agravando a situação de miséria, desigualdade, desemprego e exclusão social, pois o que importa para os capitalistas não é a situação de caos que vive a população mundial, mas sim, em encher os bolsos de dinheiro.
Além de tudo o que nos referimos anteriormente, esses blocos econômicos excluem por completo aqueles que não aderirem, como é o caso de Cuba, por exemplo, que está fora de toda rota econômica mundial, graças ao bloqueio econômico implantado pelos Estados Unidos, forçando os demais países a não comprarem nem venderem produtos. Cuba encontra-se isolada do resto do mundo. Nossa maior preocupação é de quando esse grande sonho de uma sociedade mais igual pode desabar.
Segundo Tânia Steren dos Santos, “um dos temas prioritários atualmente é o da responsabilidade social e econômica do Estado-Nação e das empresas privadas na construção de um novo modelo de desenvolvimento social”[14], contudo, é preciso ser cauteloso ao analisar esta questão, já que o que é possível perceber , é que o Estado para o mundo globalizado é dispensável, assim como tudo que possa limitá-lo.
Os efeitos da globalização estão presentes no nosso dia-a-dia, ao nosso lado, principalmente quando encontramos milhões e milhões de famintos e doentes, sem ter o que fazer, para onde ir, desabrigados, sem-terra, sem esperança e sem nenhuma chance de competir no mercado ou nem mesmo de continuar sobrevivendo. Já que eles não consomem são dispensáveis.
A história poderá nos relatar, dentro de poucos anos o que aconteceu, mas isso já é uma outra história. (Ou será a continuação da mesma?)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBEIRO, Heródoto; CANTELE, Bruna Renata; SCHNEEBERGER, Carlos Alberto. História: de olho no mundo do trabalho. São Paulo: Scipione, 2004.
OLSSON, Giovani. Relações internacionais e seus atores na era da globalização. 1 ed. (2003). 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2005.
SANTOS, Tânia Steren. Globalização e exclusão: a dialética da mundialização do capital. IN: Sociologias. Porto Alegre, ano 3, nº 6, jul/dez, 2001. p. 170-198.
THERBORN, Goran. Globalização e desigualdade: questões de conceito e esclarecimento. IN: Sociologias. Porto Alegre, ano 3, nº 6, jul/dez, 2001. p. 170-198.
[1] SANTOS, Tânia Steren. Globalização e exclusão: a dialética da mundialização do capital. IN: Sociologias. Porto Alegre, ano 3, nº 6, jul/dez, 2001. p. 170-198.
[2] OLSSON, Giovani. Relações internacionais e seus atores na era da globalização. 1 ed. (2003). 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2005. p. 106.
[3] OLSSON, Giovani. Relações internacionais e seus atores na era da globalização. 1 ed. (2003). 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2005. p. 108
[4] Idem. p. 109.
[5] BARBEIRO, Heródoto; CANTELE, Bruna Renata; SCHNEEBERGER, Carlos Alberto. História: de olho no mundo do trabalho. São Paulo: Scipione, 2004. p. 477.
[6] SANTOS, Tânia Steren. Globalização e exclusão: a dialética da mundialização do capital. IN: Sociologias. Porto Alegre, ano 3, nº 6, jul/dez, 2001. p. 170-198.
[7] SANTOS, Tânia Steren. Globalização e exclusão: a dialética da mundialização do capital. IN: Sociologias. Porto Alegre, ano 3, nº 6, jul/dez, 2001. p. 170-198.
[8] Idem.
[9] Idem.
[10] Idem.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] Idem.
[14] Idem.
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